Linha de pesquisa 2

Linha de Pesquisa 2

Universidade e Sociedade: Discursos, interfaces, disputas e conquistas

Nesta Linha de Pesquisa, concentramos nossos esforços na realização de estudos que busquem desvelar o potencial e os desafios que se apresentam para as instituições universitárias públicas brasileiras implantadas no período de expansão universitária (REUNI). Na busca pela superação do modelo de universidade tradicional vigente no país até então, tais instituições assumiram a função política e estratégica, pela via da Educação, de atuar em prol da redução das desigualdades locais, regionais e sociais (VIEIRA et al, 2014). Em decorrência dessa opção, que as desloca dos centros históricos de construção do conhecimento, e do entendimento de universidade como um campo relacional de poder e terreno de disputa (QUIJANO, 2001; MIGNOLO, 2003), assumimos que há um processo de construção identitária dessas instituições em curso.

A esse processo dinâmico, soma-se a necessidade latente de desconstrução de saberes instituídos como padrão sobre o ser/estar/fazer na universidade, o que exige um movimento de reflexão crítica constante dessas jovens instituições,  sobretudo no que diz respeito: i) à sua própria constituição como  discurso forjado em torno de processos universalizantes e hierarquizadores, promovendo o silenciamento de processos de construção e compartilhamento de conhecimentos singulares e contra-hegemônicos (QUIJANO, 2020; WALSH, MIGNOLO, 2018; WODAK, 2001); ii) às normativas, às rotinas e aos discursos que direcionam seus atores na criação e na consecução de seus planos acadêmico e administrativo (ARROYO, 2011; QUINTAR, 2018); iii) na análise de suas propostas de ações extramuros e no teor de suas narrativas e seu diálogo com seu território, sua gente e sua cultura (DELEUZE, 2006; ZUMTHOR, 1993; ZUMTHOR, 1985); iv) no tensionamento das atuais políticas públicas educacionais que, em ocasiões diversas, não (cor)respondem à realidade do público que passa a fazer parte da comunidade universitária brasileira (CANDAU; OLIVEIRA, 2010), agora muito mais plural, pela ampliação de vagas, pela política de cotas e pelos recursos destinados à permanência estudantil, entre outros, fruto da luta histórica de movimentos e instituições pela defesa de direitos.

Se opta por uma outra cultura universitária que queira estar fora de seus muros, interferindo nas desigualdades de nossa sociedade, entendendo que a educação (superior) é um bem público/social (DIAS, 2017) e direito do povo, vinculada, portanto, à construção do conhecimento para além de interesses privados (SANTOS, 2008; LEHER, 2019; CONTRERAS, 2014). Com essa perspectiva, busca-se trilhar percursos investigativos que, em uma relação de complementaridade, enfatizem os desafios, os projetos em disputas, as formas de resistência e o legado das universidades públicas que emergiram no citado período de expansão universitária, mostrando que, nesse contexto, reside inclusive a possibilidade de se pensar numa universidade genuinamente brasileira.

Referências

  • ARROYO, Miguel. Currículo: território em disputa, Petrópolis: Vozes, 2011.
  • CANDAU, Vera Maria Ferrão; OLIVEIRA, LUIZ Fernandes. Pedagogia decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil. Educação em Revista, vol. 26, n. 1, Belo Horizonte, 2010. 
  • CONTRERAS, Rolando Pinto. Pedagogía crítica para una educación pública y transformadora en América Latina.  Jesús Maria, Peru: Derrama Magisterial, 2014.
  • DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. 2. ed. Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2006. 
  • DIAS, Marco Antônio Rodrigues. Educação Superior como um bem público – perspectivas para o centenário da reforma de Córdoba. Montevideo: Asociación de Universidades Grupo Montevideo, 2017.
  • LEHER, Roberto. Autoritarismo contra a universidade: o desafio de popularizar a defesa da educação pública. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo/Expressão Popular, 2019.
  • MIGNOLO, Walter. Histórias locais, projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2003.
  • QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder, cultura y conocimiento en América Latina. In: MIGNOLO, Walter (Comp.). Capitalismo y geopolítica del conocimiento – El eurocentrismo y la filosofía de la liberación en el debate intelectual contemporáneo. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2001, p. 117-132.
  • QUIJANO, Aníbal. Cuestiones y horizontes: de la dependencia histórico-estructural a la colonialidad/descolonialidad del poder. Ciudad Autónoma de Buenos Aires; Lima: CLACSO; Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 2020. p. 861-919.
  • QUINTAR. Estela. Crítica teórica, crítica histórica – tensiones epistémicas e histórico políticas. in: GUELMAN, Anahí; CABALUZ, Fabián; SALAZER, Mónica [Coordinadores]. Educación Popular y Pedagogías Críticas en América Latina y el Caribe – corrientes emancipatorias para la educación pública del Siglo XXI.  Ciudad Autónoma de Buenos Aires : CLACSO, 2018, p. 15-26.
  • SANTOS, Boaventura de Souza; ALMEIDA FILHO, Naomar. A universidade no século XXI – para uma universidade nova. Coimbra: Almedina, 2008. 
  • VIEIRA, Sofia Lerche; VIDAL, Eloisa Maia; MENEGHEL, Stela et al. O papel da universidade na transformação de um território de pobreza. In: VIEIRA, Sofia Lerche; VIDAL, Eloisa Maia (Orgs.). Educação e território: contribuição para o debate na região do Maciço de Baturité. Fortaleza: Liber Livro, 2014. p. 65-84.
  • WALSH, C.; MIGNOLO, W. On decoloniality: Concepts, analytics, praxis. Durhan and London: Duke University Press, 2018.
  • WODAK, R. The discourse-historical approach. In: WODAK. R.; MEYER, M. (Ed.). Methods of critical discourse analysis. London: Sage, 2001. p. 63-94. 
  • ZUMTHOR, P. A letra e a voz: a literatura medieval. São Paulo: Companhia das Letras,1993. 
  • ZUMTHOR, P. A permanência da voz. UNESCO ElCorreo, España, ago., 1985. 

Sugestões de leituras

  • ABRAMOWICZ, Anete; RODRIGUES, Tatiane Cosentino; CRUZ, Ana Cristina Juvenal da. A diferença e a diversidade na educação. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, n. 2. p. 85-97, 2011. 
  • BHABHA, H. K. O local da cultura. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1998.
  • CHAUI, Marilena. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Editora Unesp, 2001. 
  • CUNHA, Luiz Antônio. Universidade crítica – o ensino superior na república populista. 3. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2007.  
  • CUNHA, Luiz Antônio. Universidade reformada – o golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. 2 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2007. 
  • CUNHA, Luiz Antônio. Universidade temporã – o ensino superior, da Colônia à Era Vargas. 3 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2007. 
  • DRÈZE; Jacques; DEBELLE, Jean. Concepções da universidade (prefácio de Paul Ricoeur). Fortaleza: Edições UFC, 1983. (*)
  • DIAS, Marco Antônio Rodrigues. Educação Superior como um bem público – perspectivas para o centenário da reforma de Córdoba. Montevideo: Asociación de Universidades Grupo Montevideo, 2017. Disponível em: http://w3.ufsm.br/sai/images/Educa%C3%A7%C3%A3o_Superior_como_Bem_P%C3%BAblico_PDF_interativo-1.pdf 
  • KERR, Clark. Os usos da universidade. Brasília: Editora UnB, 2005.  (*)
  • MIGNOLO, Walter. Educación y decolonialidad: aprender a desaprender para poder reaprender. [Entrevista cedida a] Facundo Giuliano e Daniel Berisso. Revista del IICE, Buenos Aires, n. 35, p. 61-71, 2014. Disponível em: <http://revistascientificas.filo.uba.ar/index.php/iice/article/view/1961/1807>. Acesso em: 15 ago. 2018.
  • QUEIROZ, S. A tradição oral. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2006.
  • RUBIÃO, André. História da Universidade – genealogia para um ‘modelo participativo’. Coimbra: Almedina, 2013. 
  • SADER, Emir; ABOITES, Hugo; GENTILI, Pablo. La reforma universitária – desafios Y perspectivas noventa años después. Buenos Aires: CLACSO, 1998. 
  • SALMERON, Roberto. Universidade interrompida: Brasília 1964-1965. 2 ed. Brasília: Editora da UnB, 2012.  
  • SANTOS, B. S.; ALMEIDA FILHO, Naomar. A universidade no século XXI – para uma universidade nova. Coimbra: Almedina, 2008. 
  • SANTOS, B. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade (9º capítulo). 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997.  (*)
  • THAYER. Willy. La crises no moderna de la universidad moderna – epílogo del conflito de las facultades. Santigo: Editorial Cuarto Proprio, 1996.  (*)
  • VERGER, Christophe; VERGER, Jacques. Histoire des universités – XIIe – XXIe siècle. Paris: PUF, 2012. 
  • WOLFF, Robert Paul. O ideal da universidade. São Paulo: Editora UNESP, 1993.  (*)